...há um preço para tudo. Diz também que toda a gente tem um preço.
A sensibilidade tem um preço estranho, tanto a pagar como a receber. O pagante inspira o orgulho dos ares, prende a respiração de peito cheio e deseja continuar assim para sempre. O receptor, que podia perfeitamente ser o pagante, sente-se uma miniatura dentro do próprio corpo, desliza em direcção à fonte emocional e, regra geral, encaminha pelo canal lacrimal. Isto porque os olhos processam tudo, os ouvidos ajudam, e a imaginação desenha o toque crítico.
Não sei se também nestas coisas existem saldos e promoções, mas é provável que sim. Se for o caso, quero um receptor com 50% de desconto, se faz favor.
Ainda não é isso. O número 41 também não tem qualquer tipo de significado especial para mim. A não ser...
... A porra da temperatura durante o dia de ontem. Quarenta e um!!
Saí à rua por volta das 15h sem t-shirt e, nem decorridos 30 segundos, voltei para dentro. Tive a certeza que se ficasse por mais outros trinta, regressava com queimaduras de segundo grau, para aí.
O Verão, o verão! Tomar um duche e sair de lá a suar. Encostar no sofá e descolar (literalmente) de lá na hora de levantar. Acordar de manhã como um livro de ilustrações fechado há anos, com as páginas todas coladas umas às outras. Pegajosas como tudo.
O calor tem sido tanto que as ideias evaporam, o corpo adormece. O cérebro adquire valências caninas e só pensa em procurar locais frescos e à sombra, onde possa desligar temporariamente. Lá, as ideias evaporadas deixam um aglomerado de moleza geral, que só tende a melhorar com a chegada de temperaturas mais amigas do movimento muscular.
Por vezes, lá me dá para (tentar) rabiscar uns poemas. Este já é bem velhinho, encontrei-o escondido pelas páginas. O engraçado é basear-se em factos que aconteceram realmente. E o que eu me ri a relembrar!
O Relógio de Corda
O relógio de corda da minha tia-avó
Bate as horas e as meias sem nunca de mim ter dó.
Nem tijolo, nem cimento, nada disso o faz calar
O mal é do raio da velha que tem corda p'ra lhe dar.
Dá uma volta e outra dá, gira a chave e gira mais,
Não esconde o sorriso velhaco que aprendeu nos telejornais.
Mas se algum deus de verdade existe, veio ali naquela altura,
Partiram as cordas forçadas, catapultas de amargura.
«Ó filho! estraguei o relógio, anda cá ajudar a tia,
Toma lá este dinheiro e vai cuidar da avaria».
Escondi o sorriso em esforço, como quem não sabe o que sente
Porque cá dentro de mim, já tinha o plano todo na mente:
Voltei sem nunca partir, a fingir enorme tristeza
«O conserto era tão caro, não valia a pena a despesa».
Eis que ela sorri novamente, desta feita em jeito de paz
«Não sou só eu a velhaca! és ainda pior meu rapaz».
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