O tempo tem-se-me escapado por estas manápulas de aranhiço. Eu bem que lhe peço para acalmar a cavalgada, mas já dei conta que não adianta, só acabo a perder mais tempo com isso. Hum... curioso. A boa notícia é que com certeza não estarei sozinho. Escapa a todos, são coisas que acontecem e já o outro dizia que "é a vida".
Tenho rascunhos a processar, ideias em fila de espera como se estivessem para queimar velas no 13 de Outubro, notas no telemóvel, enfim, todo um conjunto de materiais de construção à espera de algum operário gentil disposto a receber pouco e a trabalhar que nem um descendente da máquina de movimento perpétuo do Da Vinci. Quase ficava sem ar com esta última frase!
Pensando melhor, talvez disposto a não receber nada vá, que isto está difícil: ser "Tuga" é queixar-se de tudo, não é? Quero ser tuga durante uns minutos. Depois volto a ser Português, ou pelo menos a tentar sê-lo.
E bem, como eu sou um porreiro e não vos quero deixar sem nada, tomem lá um curto vídeo para vos abrir (literalmente) o apetite para o fim de semana. Vale a pena tomar nota:
Obrigado Priberam pelas definições. Foquemo-nos agora no primeiro exemplo do dicionário, o mais usado e vulgarmente atribuído à palavra ansiar. Supostamente.
Será que isso acontece na realidade?
Adianto-me desde já e respondo: não. Ansiar continuará a ser diariamente ligado à ansiedade, esse estado de espírito da era moderna, quando na verdade são dois termos bem distintos. Bem afastados.
E isso incomoda-me. Incomoda-me que falem tanto em "desejar isto ou aquilo", "querer isto ou aquilo", quando existe um verbo que expressa exactamente aquilo que mais desejamos: aquilo que ansiamos.
O problema está mesmo nas associações que se fazem e, para que fique bem claro:
1. Uma pessoa que anseia não é uma pessoa ansiosa;
2. Uma pessoa que anseia não sofre de ansiedade.
Melhor: uma pessoa que anseia não é obrigatoriamente ansiosa, porque até poderá sê-lo. São apenas duas situações distintas.
Desejar veementemente! Existirá maior força que um desejo veemente? Um anseio?
Um anseio vem carregado de vida, no sentido entusiasta e fervoroso das palavras. Um anseio é um desejo forte e energético. Um anseio é o nosso desejo, na vertente mais crua possível.
Esta reflexão parva serve apenas para fazer jus à palavra ansiar. Talvez alguém passe a encarar a palavra com novos olhos e, da próxima vez que estiver a pensar no futuro, em opções ou caminhos, pense no que verdadeiramente anseia.
O que é que vos deixa com aquele bichinho do desejo? O que é que vos carrega o cansaço e vos faz dar mais um passo?
Da próxima vez que estiverem a pensar no que querem, lembrem-se que desejar é ter vontade que algo aconteça, é um querer, um apetecer.Por outro lado, ansiar é a selva instalada no desejo, na versão mais primitiva possível: arcaicamente poderosa.
Ontem, durante a leitura "pré-caminha", apanhei um daqueles parágrafos que me dão vontade de sair porta fora, correr até ao centro de cópias mais próximo, arrombar a fechadura, e fazer de uma impressora minha refém.
Depois, leio-lhe pausadamente (à impressora) a passagem em questão:
Cada um de nós possui qualquer coisa de especial, que se revela numa determinada altura da nossa vida, e só uma vez, como uma pequenina chama. As pessoas precavidas, abençoadas pela fortuna, conservam religiosamente essa chama, fazem-na crescer, usam-na como uma tocha que ilumina as suas vidas. Mas uma vez apagada, ela não voltará nunca mais a acender-se.
Garantido o Síndrome de Estocolmo, peço-lhe que me imprima o maior número de cópias possível. Ela (a impressora) imprime desenfreadamente até surgir uma mensagem da necessidade de trocar os toners. Pego no molho das folhas, olho à minha volta e consigo discernir uma prateleira com tinteiros expostos. Agarro dois deles e ofereço-lhos (à impressora) como forma de agradecimento. A intenção seria boa se os tinteiros lhe servissem, mas com a pressa nem me lembrei que era de toners que (a impressora) precisava.
Saio em direcção ao silêncio da noite: eu, o molho das folhas, uma caneta azul e uma convicção inexplicável. À frente de cada porta retiro uma folha, a primeira em que parei tinha o número 59. Escrevo logo abaixo da citação impressa: "Qual é a pequenina chama de quem mora na porta nº 59?", dobro a folha e enfio-a na caixa de correio. Faço o mesmo na porta 57, logo ali ao lado. E na 53, na 51, na 49...
Não me lembro de muito mais que isto. Acordei de manhã com a sensação de ter deambulado a noite toda pelas casas das pessoas, qual carteiro da noite. Não me sentia um invasor, sentia ter feito o necessário. Seria tão bom que todos nós conservássemos esta chama.
E vocês, o que fizeram à vossa "pequenina chama"?
Nota: A citação faz parte de Sputnik, meu Amor de Haruki Murakami.
Mais para ler
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.