11. O que está sempre zangado com tudo e com todos
Qual deles é o teu spirit animal, ou com qual te identificaste mais? Eu sou claramente o garganeiro!
P.S.: Se algum deles for a cara de um familiar, amigo ou conhecido vosso, enviem-lhe isto. Tipo deixar a dica: "vê lá se te identificas com algum, ó zangão!"
Segunda feira é aquele dia bom, já tinha dito aqui que não desgosto das coitadas das segundas. Partindo dessa onda, quero partilhar convosco uma situação de sábado na qual, agora que escrevo e penso melhor no assunto (Domingo), preciso de esclarecer o meu comportamento. Ouvir umas opiniões, vá, que é como quem diz massajar o ego. Ou achincalhá-lo, eu sei lá.
Tudo se passou quando saí do trabalho e entrei no carro. Na Comercial, começava a tocar o seguinte:
O problema começa aqui e julgo dever-se, em parte, ao facto do dia estar arrumado e ter corrido muito bem. O raio da música entrou-me pela pele adentro e até que terminasse, vim a conduzir em modo dançarino: sapateado dos pedais + mudanças metidas ao ritmo da música + volante em modo tambor.
Chego a casa e vou de imediato pesquisar a dita cuja. É precisamente nessa altura que a espiral de acontecimentos embaraçosos começa:
1. Dançar que nem um completo idiota, numa mistura entre o ridículo e deplorável;
2. Agarrar-me a um tripé que serviu de microfone, o qual me dei ao trabalho de ajustar em altura e...
3. ...Pior! fazer movimentos com ele de um lado para o outro, qual aprendiz do Marco Paulo;
4. Continuar a dança em modo imparável até ao final da música e ultrapassar todos os limites quando, a certa altura, o tripé microfone se transformou inevitavelmente numa guitarra.
Quando a música terminou, desatei a rir e cliquei no replay. Desta vez já sem danças e só com sorrisos idiotas, limitei-me a dizer em voz alta «mas o que é que foi isto, tens a noção que és um completo anormal, certo?»
E posto isto, não sei o que é pior: se a "dança", se o facto de ter noção do ridículo e, mesmo assim, me rir disso, se o atrevimento da letra e, nesse caso, me deva sentir um galã e possa imaginar-me a usá-la como criadora de clima romântico, qual Zézé Camarinha do Alentejo.
Enfim, porque às vezes também há que assumir as merdas e contar as coisas como elas foram realmente, foi esta a minha reacção a uma música que nem costuma fazer o meu género. Até que ponto devo considerar buscar ajuda psicológica?
Conheci a minha terra sem tapetes de alcatrão. Nos dias em que aprendia letras maiúsculas e minúsculas, diferentes entre elas não por premir um shift, as máquinas passeavam barulhos e cheiros estranhos pelas ruas da aldeia. Tudo era novo, especialmente o pavimento suave e menos poeirento. Os ténis colavam-nos ainda mais ao chão, como se aqueles novos caminhos nos quisessem segurar por ali e a gravidade não fosse competente para tal.
Hoje e sem motivo aparente, coisa na qual custo a crer, olhei demorado os caminhos da minha terra. Vi um alcatrão enfraquecido pelos anos com buracos e fendas, remendado. Disse para comigo que é esse o caminho de todas as coisas. Comparei as pessoas, os lugares e este bloco temporal a que chamamos de vida, às serpentes semi-negras que fazem deslizar rodas e pernas e patas, enfim... Vi a estrada de alcatrão como uma possível metáfora para o passar do tempo: fica gasta e velha, às vezes inutilizável e, por mais que pareça não ter fim, há sempre um corte que nos leva ao final da estrada.
Quando o pensamento mudava já de estação, lembrei-me da terra batida, escondida por baixo das toneladas de alcatrão. Do pó. Dos ténis sujos que faziam fumo quando batia os pés. Daquela terra batida que viu séculos de gente. Do cheiro desse pó dessa terra, molhado por chuva milenar. E aquela gota nostálgica de saliva agridoce, com tendência para o doce, causou o tal sorriso interno das recordações que julgávamos perdidas, mas que na verdade apenas vagueiam pelas nossas memórias mais profundas: as nossas terras batidas.
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