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Lorpa

Lorpa

Quem muitos burros toca

... Devia dar-se por contente, já que são cada vez mais raros de encontrar.

 

Os burros fazem parte da minha infância. Cresci numa aldeia do interior que me permitiu familiarizar com a espécie. O meu avô materno tinha um, inclusive.

 

E tudo isto para quê? Para dizer algo que pouco terá a ver, mas que precisa de uma introdução temperada com parvoíce e/ou pouco sentido. Na realidade não precisa, mas enfim... É mais forte do que eu. E é Natal, ninguém leva a mal. Porque no Carnaval leva. Experimentem perguntar aquele vosso amigo que levou com uma "bombinha" de mau cheiro no focinho, levou a mal de certeza.

 

Bom, adiante. O meu pai utiliza várias vezes esta expressão do "tocar muitos burros" e eu, como bom semi-herdeiro e fã das nossas expressões, provérbios e etc., venho pegar nela e desenlear mais um texto de encontro aos meus dias. Deixar mais um registo por aqui, no fundo é isso.

Ora, como alguns de vocês sabem, este foi um ano de mudança para mim. Não ao nível do estilo do cabelo ou da roupa que uso. Larguei a profissão em que me formei superiormente, vim morar para uma cidade a 500km de onde estava e mudei até de clube. Nada desta mudança se deveu a qualquer tipo de problema profissional ou pessoal, pelo contrário, porque se há coisa que me custa quando parto para outra aventura são as pessoas que "deixo para trás". O motivo foi unicamente a certeza de que não queria fazer aquilo e estar ali para sempre. Chegou e sobrou. Porque estar encostado a algo, enrolar-se numa rotina, criar raízes ou repetir os dias é simples. Complicado é libertar-se dessas correntes quando elas estão até já enferrujadas pela posição constante de não serem mexidas. E já agora, a parte da mudança de clube é brincadeirinha né?, quando se é do Maior, mudar não é sequer uma hipótese.

 

Posto isto, fica aqui o registo de que uma mudança radical é uma estranguladora de tempo. Tempo na medida do termos tempo (vai buscar, redundância!) para as nossas pequenas coisas. A mudança é entusiasmante, é divertida e voltamos a sentir aquele estímulo da novidade todos os dias. Isso é... sei lá, rejubilante?. Sim, rejubilante. Que é também uma palavra apropriada à época Natalícia, que eu tanto aprecio. Hei-de escrever sobre o Natal também.

Por agora, seguindo para o desfecho desta memória que aqui imprimo, preciso de focar-me nos burros tocados e por tocar. Acabo por ter que priorizar demasiado e deixar para trás alguns prazeres dos quais sinto falta: ando há mais de um mês no mesmo livro, o blogue tem sido menos actualizado, não consigo visitar os meus vizinhos blogosféricos, enfim... Tenho deixado as letras para trás, quando preciso que as letras façam parte da minha vida.

 

Toda esta tagarelice serve então para relembrar-me disto mesmo: prioridades. Já falei delas aqui, até. Relembrar-me de que não existe falta de tempo. Existem ocupações, existem tarefas, existem prioridades. Existem burros para tocar e, efectivamente, alguns terão que ficar para trás. A pergunta que faço a mim mesmo e a cada um de vocês é:

 

Será que os burros que deixamos por tocar ocorrem por falta de tempo organização ou, de certa maneira, somos nós a fazer escolhas de forma semi-inconsciente?

 

donkeys

 

Bom fim de semana, meus caros multi-tocadores de burros 

Nostalgia ao calhas - vaguear em terra batida.

Conheci a minha terra sem tapetes de alcatrão. Nos dias em que aprendia letras maiúsculas e minúsculas, diferentes entre elas não por premir um shift, as máquinas passeavam barulhos e cheiros estranhos pelas ruas da aldeia. Tudo era novo, especialmente o pavimento suave e menos poeirento. Os ténis colavam-nos ainda mais ao chão, como se aqueles novos caminhos nos quisessem segurar por ali e a gravidade não fosse competente para tal.

 

Hoje e sem motivo aparente, coisa na qual custo a crer, olhei demorado os caminhos da minha terra. Vi um alcatrão enfraquecido pelos anos com buracos e fendas, remendado. Disse para comigo que é esse o caminho de todas as coisas. Comparei as pessoas, os lugares e este bloco temporal a que chamamos de vida, às serpentes semi-negras que fazem deslizar rodas e pernas e patas, enfim... Vi a estrada de alcatrão como uma possível metáfora para o passar do tempo: fica gasta e velha, às vezes inutilizável e, por mais que pareça não ter fim, há sempre um corte que nos leva ao final da estrada.

 

Quando o pensamento mudava já de estação, lembrei-me da terra batida, escondida por baixo das toneladas de alcatrão. Do pó. Dos ténis sujos que faziam fumo quando batia os pés. Daquela terra batida que viu séculos de gente. Do cheiro desse pó dessa terra, molhado por chuva milenar. E aquela gota nostálgica de saliva agridoce, com tendência para o doce, causou o tal sorriso interno das recordações que julgávamos perdidas, mas que na verdade apenas vagueiam pelas nossas memórias mais profundas: as nossas terras batidas.

 

terra batida

 

Sobre as expressões idiomáticas - parte 2

speak

 

Há coisa de uns meses escrevi um texto minado de expressões idiomáticas. A nossa língua é altamente produtiva nesse campo.

Foi algo que me deu bastante gozo fazer e, se quiserem, podem ler aqui. Durante o fim de semana, lembrei-de disso e aventurei-me a escrever uma continuação da história. Foi para o que me deu:

 

 

Ele foi para casa afogar as mágoas. Apanhou uma piela que durou dias e andou à deriva até bater no fundo. Estava feito num oito, mas queria um acerto de contas.

Apareceu do nada em casa dela, queria pôr tudo em pratos limpos. Contudo, bateu com o nariz na porta. Alguém deu com a língua nos dentes e lhe disse que ela foi laurear a pevide com um rapaz bem parecido. Ele ficou fora de si:

«Desta vez pisaste o risco», pensou.

Estava de coração partido e de cabeça quente, a junção perfeita para dar barraca.

Primeiro foi ao café preferido dela: estava às moscas. Depois foi ao parque da cidade: havia muita gente a dar à língua, outros a dormir que nem pedras, mas não havia rasto dela. Ficou prestes a rebentar, tinha os miolos a ferver cada vez mais. Sentia ter corrido os quatro cantos do mundo para nada, mas nem pensar em morrer na praia.

Tomou a decisão drástica de ir comprar uma arma no mercado negro, que lhe custou os olhos da cara. Mais cedo ou mais tarde iria encontrá-la, estava em pulgas para nessa altura puxar o gatilho.

E sem que nada o fizesse esperar, ao virar da esquina, lá vinha ela com o rapaz bem parecido.

Enfentou-os e virou-se para ela, atirou-lhe com as culpas por tudo e disse-lhe que se preparasse para ir desta para melhor. Ela estava-se nas tintas, as palavras entravam-lhe por um ouvido e saíam-lhe por outro.

Foi a gota de água, ele puxou pela arma com os olhos a fazer faísca. Ela levou-o a sério, ele queria mesmo limpar-lhe o sebo. Cantou de galo e disparou. Carregou outra vez e mais outra. E ainda outra.

Não aconteceu nada, tinham-lhe vendido gato por lebre. Ficou com a cabeça a andar à roda. Perdeu o norte, depois os sentidos.

Quando acordou para a vida, já estava a ver o sol aos quadradinhos. Foi dentro e pagou caro por tudo o que fez. Tinha realmente feito asneira e sentia-se um zero à esquerda.

 

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E é isto. Uma pessoa pode (e talvez deva) escrever montes de coisas em atraso, mas depois mete isto na cabeça e prefere desafiar-se e ver até onde consegue ir. Vidas!

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