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Lorpa

Lorpa

Ser adulto: o tronco

O tronco tem uma base, que pode ser lida aqui. Se continuo a não fazer sentido, então é melhor passares aqui primeiro.

 

Poderia partir da base em direcção ao tronco. Parar neste pilar sustentador de vida e divagar sobre o que por aqui encontro. No tronco. Caramba, que maçador seria!

Assim sendo, e numa espécie de antecipação ao último post da saga (já vos tinha dito que vai ser épico?), opto por olhar lá para cima. Lá em cima há ramagens densas de folhas que tapam o sol. Essa claridade, em grande parte impedida de cá chegar, consegue sempre furar pela tal ramagem espessa e organizada. Sempre. Com mais ou menos força, rapidamente ou de forma mais vagarosa. O importante é conseguir passar, chegar à Terra e aquecer a base. E consequentemente, o núcleo. O tronco.

 

Existem imensos tapa-sóis no mundo adulto. Aliás, ser adulto é satisfazer-se com eles. Pelo menos em parte.

Quero com isto dizer que ser adulto é correr um grande risco de habituação às circunstâncias. Em demasia. De prender-se a costumes, normas e outros critérios impostos. E embora nem todos sejam maus, os tapa-sóis criam uma espécie de bloqueio mental, principalmente ao nível da coragem. Da coragem em confessar erros, falhas, ignorâncias; da coragem em mostrar sentimentos, dizer o que guardamos; da coragem de lembrar o que já fomos.

Da coragem de lembrar o que já fomos. Acho inconcebível que o ser adulto se esqueça tão facilmente do que passou. Das experiências que lhe moldaram o carácter, para ser mais preciso.

 

Ser adulto é, pelo que tenho percebido, manter práticas criadas no passado. Práticas das quais sentimos pouco orgulho, ou mesmo até nenhum. É pressioná-las ainda mais de encontro ao corpo e criar sulcos de encaixe semi-permanente. É acreditar que temos ainda muito tempo para mudar isso, que "é só mais esta vez". É não ter noção da nossa efemeridade, ou preferirmos ignorar esse aspecto. E não me interpretem mal, viver sem pensar demasiado nas coisas é uma opção bastante válida. Tenho constatado cada vez mais que os existencialismos são perigosos e não nos trazem respostas, só complicam caminhos. Mas uma coisa é não mergulharmos em existencialismos, outra é julgarmos ter carradas de tempo para mudar algo, por exemplo. Porque não temos. A vida acontece muito depressa e, vocês sabem, é incerta. É tão incerta, caramba.

 

A minha proposta, nisto de ser adulto e nesta fase, pode resumir-se assim: conseguir chegar à copa. E quem sabe, chegar com a cabeça ao topo e espreitar o sol destapado.

Na copa é possível apreciar o resto da jornada. Podemos sentar-nos num ramo e ver o que ficou por baixo. E podemos depois continuar a explorar outras pernadas, descobrir até onde nos levam. A maravilha da vida tem de estar nesta copa de alternativas. Não vejo outra hipótese. Nem nada mais quimérico que a ideia da nossa cabeça lá em cima, realizada de tudo e ensolarada em satisfação.

 

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Ser adulto: a base

Se só agora chegaram, talvez seja melhor espreitarem este texto primeiro. Também deveríamos usar fio dentário diariamente e, ao fim de contas, as caixas andam meses pela casa de banho. Conselhos que valem o que valem.

Adiante.

 

Num tempo tecnicamente não tão longínquo assim, eu fui criança. Criança no sentido puramente ingénuo da palavra, querendo com isso dizer nas duas idades (física e mental).

Durante essa porção do meu tempo cronológico, ínfima fatia universal, apresentaram-me o mundo. E eu, como cada um de vocês, conheci-o tal e qual os meus sentidos mostraram. As crianças não tentam conhecer, não tentam fazer. Não tentam simplesmente. Ou conhecem, ou não conhecem, ou fazem, ou não fazem. Não há cá tentativas. Tentativas são armadilhas para adultos.

Esta é a frase que pretendo isolar: tentativas são armadilhas para adultos.

 

Vivemos numa época próspera e abundante. Em tudo. Para o bem e para o mal. E de toda esta fartura, surge uma ideia comum e universalmente aceite: a de que o que importa é ser feliz. Pego nesta ideia por ser a mais usual, todos nós sonhamos com esse estado utópico da felicidade. O que é que fazemos, então?

 

Tentamos ser felizes. Claro está!

 

Reforço o "tentamos". Nós, adultos, tentamos imenso, não é? Tentamos estar com os amigos, tentamos não chegar atrasados, tentamos ir visitar o avô ao hospital, tentamos fazer desporto três vezes por semana, tentamos ler um livro por mês, tentamos comer de forma mais saudável, tentamos ajudar os outros, enfim... tentamos dar o nosso melhor, certo?

Quando um comentador desportivo diz que "foi quase golo", o meu pai usa uma expressão bastante curiosa como resposta: "quase golo... então mas como é que é um quase golo?". Mais ou menos como a velha adivinha do meio buraco. Ou é buraco ou não é, não existe meio buraco. Com a história do golo acontece o mesmo, ou é golo ou não é. Não existe um quase golo.

Transporto isto para as tentativas que fazemos diariamente. Tentamos tanto... Porque é que não fazemos, simplesmente? Porque é que não somos, e pronto? Talvez o "tentar" nos sirva como a almofada protectora de que tanto gostamos. De ter uma desculpa. O "eu tentei, pelo menos".

 

Há uma frase que guardei comigo e da qual me lembro regularmente:

Take your life in your hands and what happens? A terrible thing: no one to blame. - Erica Jong.

Uma possível tradução será algo como "Tomas o controlo sobre a tua vida e o que acontece? Uma coisa terrível: ninguém para culpares."

 

Creio portanto que uma das características que nos carimba como adultos é este medo generalizado. Não precisa sequer ser um medo consciente, pode estar escondido e manifestar-se de outras formas. Erguemos muros (teoricamente) invisíveis a isolar o nosso mini mundo, ocultamos sentimentos e plastificamos outros. Sorrimos de forma mecânica mas bem alargada, não vá acontecer não darem conta do branqueamento dentário. Tudo isto para tentarmos ser felizes, claro.

Associa-se a "idade dos porquês" às crianças, fase em que são capazes de fazer centenas de perguntas por dia. "Porque é que os aviões voam?", "Porque é que a avó tem o cabelo branco?", "Porque é que os cães não sabem falar?". Enfim, tudo aquilo que lhes suscita dúvida, perguntam. E eu pergunto:

 

Porque é que perdemos essa capacidade?

 

Não sei. Mas quantas vezes aconteceu não termos percebido uma explicação de um colega ou de um professor e, quando nos perguntam se percebemos, dizemos que sim. Medo? Vergonha? Orgulho? Não sei. O que eu temo é que a "idade dos porquês" afinal dure toda uma vida e nós estejamos a oprimi-la, só porque agora  somos adultos.

 

Diz-se também regularmente algo como "O adulto criativo é a criança que sobreviveu". Toda a gente sabe que "a criança que sobreviveu" é o Harry Potter. Em todo o caso, a expressão tem a sua lógica. A de que é necessário mantermos em nós uma parte infantil, uma abordagem mais ingénua.

A base da idade adulta será sempre o que vivemos e tudo aquilo que nos trouxe até aqui. Seria bom que não o esquecêssemos. Que tentássemos menos. Ou vamos continuar enrolados neste embuste de ser adulto.

 

boy

 

No próximo texto vou pegar nos comentários do post anterior. E nos deste também. Portanto continuem com os vossos bitaites acerca da vida adulta. O que é, afinal, esta coisa de ser adulto?

Obrigado a todos e bom fim de semana!

Quem muitos burros toca

... Devia dar-se por contente, já que são cada vez mais raros de encontrar.

 

Os burros fazem parte da minha infância. Cresci numa aldeia do interior que me permitiu familiarizar com a espécie. O meu avô materno tinha um, inclusive.

 

E tudo isto para quê? Para dizer algo que pouco terá a ver, mas que precisa de uma introdução temperada com parvoíce e/ou pouco sentido. Na realidade não precisa, mas enfim... É mais forte do que eu. E é Natal, ninguém leva a mal. Porque no Carnaval leva. Experimentem perguntar aquele vosso amigo que levou com uma "bombinha" de mau cheiro no focinho, levou a mal de certeza.

 

Bom, adiante. O meu pai utiliza várias vezes esta expressão do "tocar muitos burros" e eu, como bom semi-herdeiro e fã das nossas expressões, provérbios e etc., venho pegar nela e desenlear mais um texto de encontro aos meus dias. Deixar mais um registo por aqui, no fundo é isso.

Ora, como alguns de vocês sabem, este foi um ano de mudança para mim. Não ao nível do estilo do cabelo ou da roupa que uso. Larguei a profissão em que me formei superiormente, vim morar para uma cidade a 500km de onde estava e mudei até de clube. Nada desta mudança se deveu a qualquer tipo de problema profissional ou pessoal, pelo contrário, porque se há coisa que me custa quando parto para outra aventura são as pessoas que "deixo para trás". O motivo foi unicamente a certeza de que não queria fazer aquilo e estar ali para sempre. Chegou e sobrou. Porque estar encostado a algo, enrolar-se numa rotina, criar raízes ou repetir os dias é simples. Complicado é libertar-se dessas correntes quando elas estão até já enferrujadas pela posição constante de não serem mexidas. E já agora, a parte da mudança de clube é brincadeirinha né?, quando se é do Maior, mudar não é sequer uma hipótese.

 

Posto isto, fica aqui o registo de que uma mudança radical é uma estranguladora de tempo. Tempo na medida do termos tempo (vai buscar, redundância!) para as nossas pequenas coisas. A mudança é entusiasmante, é divertida e voltamos a sentir aquele estímulo da novidade todos os dias. Isso é... sei lá, rejubilante?. Sim, rejubilante. Que é também uma palavra apropriada à época Natalícia, que eu tanto aprecio. Hei-de escrever sobre o Natal também.

Por agora, seguindo para o desfecho desta memória que aqui imprimo, preciso de focar-me nos burros tocados e por tocar. Acabo por ter que priorizar demasiado e deixar para trás alguns prazeres dos quais sinto falta: ando há mais de um mês no mesmo livro, o blogue tem sido menos actualizado, não consigo visitar os meus vizinhos blogosféricos, enfim... Tenho deixado as letras para trás, quando preciso que as letras façam parte da minha vida.

 

Toda esta tagarelice serve então para relembrar-me disto mesmo: prioridades. Já falei delas aqui, até. Relembrar-me de que não existe falta de tempo. Existem ocupações, existem tarefas, existem prioridades. Existem burros para tocar e, efectivamente, alguns terão que ficar para trás. A pergunta que faço a mim mesmo e a cada um de vocês é:

 

Será que os burros que deixamos por tocar ocorrem por falta de tempo organização ou, de certa maneira, somos nós a fazer escolhas de forma semi-inconsciente?

 

donkeys

 

Bom fim de semana, meus caros multi-tocadores de burros 

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